terça-feira, 5 de junho de 2012

Gênero Memórias Literárias - A máquina


A máquina
Mario Morais
            O sítio do avô Olindo ficava no Jacaré Grande, um lugar muito bonito e o melhor de tudo é que distava da minha cidade, a Palestina do Pará, algumas horas de barco pelo rio Araguaia.
         Era início da década de 90, as embarcações iam quase a pique, cheias de gente, de bicho, de coisas variadas. Nas idas para lá, gostava de contemplar as margens do rio com seus encantamentos: tartarugas sobre galhos secos parcialmente submersos nas águas; gaivotas e pelicanos revoando as praias no meio do Araguaia; nas ribanceiras, crianças mergulhando nas águas cristalinas e profundas; ribeirinhos, na luta pela sobrevivência, pescando mandis, pacus, piaus e piranhas.
         Para minha tristeza, certo dia tudo mudou. As minhas viagens nas férias para lá seriam interrompidas para sempre. Um sentimento imorredouro, dum saudosismo inquietante, invadia a minha alma todos os dias. Estávamos sentados próximo do curral daquela terra maravilhosa - onde tudo que se plantava, dava - quando se aproximou o senhor Cassimiro e de supetão nos informou que as margens do rio iriam subir com a construção da Barragem Santa Isabel. A área teria que ser evacuada rapidamente. Chorei a dia inteiro, amava aquele sítio, o barraco de paredes de barro; o fogão a lenha; as abóboras assadas na brasa; o canto do galo; o berro do bezerro, o leite quente do ubre da vaca.
         Vovô retornou à cidade, que noutro tempo as ruas noturnas eram iluminadas pela lua, as casas eram de palhas e os fogões a lenha. Agora, ele não sabia viver com recursos modernos diferentes dos campestres. A vida dele só piorava dia após dia, sobretudo quando a máquina chegou à cidade. Teve gente que levou um susto, teve gente que tremeu de medo. E gente soltando rojões.
         Meu avô só definhava. Chovia naquela madrugada, águas da chuva invadiram as ruas, como uma onda, também invadiram a alma do avô Olindo. Saiu sem que ninguém reparasse, num relance derradeiro avistou a máquina, maior decepção lhe causou. Desceu às margens do Araguaia, deu um mergulho profundo – rio abaixo, rio afora, rio adentro, o rio. Deixou apenas saudades e não foi visto por mais ninguém.

                           Palmas, 30 de maio de 2012.

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